Aos 13 anos eu provei sushi, e foi um caminho sem volta. Para o meu paladar e para o meu bolso.
Com opções escassas na cidade e pouco orçamento, eu fiz aquilo que todo mundo que não tem o mundo nas mãos precisa fazer para ter o que se quer: coloquei a mão na massa.
Vi mil vídeos e receitas da internet, comprei os ingredientes e aprendi a fazer meu próprio sushi.
Aquilo que começou com uma necessidade de acessar algo que por outros meios não era tão fácil se tornou um hobby: fazer sushi era muito legal. Reunia amigos, dividia as tarefas, separava as receitas, os ingredientes, os recipientes. E o resultado era uma noite divertida e de bucho cheio.
Todos os meses, minha mãe comprava os ingredientes, eu chamava as pessoas que mais gostava, e fazia um festival de sushi particular. Sushi era (ainda é) uma comida cara e, quando dividíamos os custos, ficava muito mais em conta e podíamos comer a vontade.
Lembro que na virada de ano de 2016, a ceia foi por minha conta: comandei a cozinha e fizemos mais de 700 peças de sushi, que abasteceu a família inteira a ponto de ninguém aguentar ficar acordado por muito tempo. Passamos o final de semana inteiro planejando a logística e execução desse evento. Anos mais tarde, minha prima, que nesse dia aprendeu a fazer sushi, disse ter sido este o momento que a inspirou a montar o seu próprio restaurante de comida oriental.
Com o passar do tempo, e a crise financeira, essa conta não batia mais. Juntando o valor dos ingredientes, do peixe fresco e dos utensílios, comia-se muito melhor em um restaurante bom da cidade (que sabe deus como conseguia lucrar alguma coisa nesse ramo) do que com as nossas técnicas amadoras e rudimentar. Além disso, o preparo do sushi levava HORAS e sujava a casa inteira, que ficava fedendo a peixe.
Foi nessa época que eu comecei a trabalhar e a ganhar meu próprio dinheiro, e a lógica tomou conta de algo que antes era visceral e genuíno. Para quê passar o dia inteiro selecionando ingredientes, peregrinando mercados e feiras, cortando, preparando, fritando e depois limpando tudo, quando eu podia, simplesmente, me dirigir ao melhor restaurante oriental da cidade e pedir o que eu quisesse do menu?
Segui assim, por muito tempo.
Vez ou outra comentava com amigos que “eu sei fazer sushi, mas dá muito trabalho”.
Neste final de semana, depois de um hiato de aproximadamente 8 anos, eu decidi que faria sushi. No estilo Virgínia Woolfiano, em Mrs. Dalloway: “Aline disse que iria ela mesma fazer o seu sushi”.
Eu senti uma vontade genuína de voltar ao tempo em que eu apreciava o processo da coisa e não só a coisa em si. Porque o processo é longo e trabalhoso, mas é também divertido e gratificante, pensei eu.
Já fui em tantos restaurantes japoneses, mas nenhum deles me marcou como nos dias em que eu fazia sushi com minha família e amigos. Eu queria esse sentimento mais denso, de criar memórias afetivas ao redor da comida.
Queria, sobretudo, deixar de tomar decisões utilitaristas e dar espaço para o que é da ordem do incontável - como preparar um prato gostoso que se lembrará para sempre.
Era o final da terceira temporada de The White Lótus e eu pensei que esse momento pedia uma comida especial, feita por mim (e meu marido, de tiracolo).
O perrengue começou para encontrar os ingredientes. Depois de ir em vários mercados, não tínhamos o necessário para seguir a receita correta. Adaptar. É o verbo que a gente mais utiliza na cozinha e na vida.
4 horas depois, uma pilha de louça suja e uma pia entupida, estava pronto o meu sushi. Ficou tão ruim que meu marido não conseguiu comer nem 30% do prato. Eu engoli o orgulho junto com o arroz japonês insosso e paguei o preço assistindo ao episódio final da minha série preferida estufada e com muita azia. De fato, inesquecível.
E nem vou mencionar o investimento da empreitada. Só posso dizer que se eu tivesse pedido delivery do restaurante mais caro daqui de Maceió, ainda teria saído mais barato do que eu gastei.
De fato, a gente tem adotado lógicas utilitaristas para medir nossas relações e nossos momentos de prazer. De fato, é um caminho perigoso a se percorrer. De fato, estamos perdendo a autonomia dentro da cozinha, da própria casa e delegando cada vez mais trabalhos precarizados ao redor do mundo.
Mas enquanto eu lembrar do gosto do oniguiri que eu preparei, da pilha de louça suja que eu tive que lavar e do estado catastrófico que a minha cozinha ficou, continuarei alimentando o sistema - e me alimentando dele.
Eu realmente gostaria que este texto tivesse tomado um rumo floreado, onde eu aproveitei uma refeição feita por mim mesma com o meu o marido, assistindo o grand finale da nossa série preferida em um momento memorável. Mas o destino me reservou um outro desfecho, e achei que seria engraçado compartilhar aqui com vocês: fui romantizar a vida e me dei mal.
Tomara que o próximo texto seja mais empolgante e gostoso do que o meu Oniguiri.
O que eu queria ter te indicado
Eu entrei para a seita do Bobbie Goods e passei a trocar tempo de tela por pinturas fofinhas, e acho que você deveria fazer o mesmo - por conta e risco.
Tem algo melhor do que Lady Gaga e Lana Del Rey voltando às suas origens?
Se vier a Maceió (AL), não deixe de conhecer este quiosque, localizado em uma praia frequentada por locais e que serve ótimos petiscos ao som de Reggae :)
Se você não gostou de Anora, leia este texto aqui e veja como bate.
Eu AMO ver gente que gosta de cozinhar, cozinhando. Mas eu AMO ainda mais só comer hahahaha que bom que a gente pode tentar fazer um pouco de tudo, mesmo que no final, a comodidade nos esmague.
hahahahahha!
Comecei o texto pensando: "meu Deus! Que lindo! É isso!".
e terminei concluindo: "meu Deus! Que desastre! É isso!".
a dor e a delícia dos dois lados da moeda tão bem descritos, que a gente consegue ver sentido e beleza independente do cenário